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quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Capítulo Um - Início


Mesmo em pleno verão, Tintagel era um lugar assombrado. Do promontório onde estava, Igraine, esposa do Duque Gorlois, olhou para o mar. Enquanto contemplava a cerração e a névoa, pensava em como poderia saber quando a noite e o dia teriam a mesma extansão, para poder celebrar a Festa do Ano-Novo. Naquele ano, as tempestades de primavera haviam sido excepcionalmente violentas; noite e dia o rumor das ondas ressoara pelo castelo, impedindo seus habitantes de dormir, e até os cães uivavam dolorosamente.

Tintagel... ainda havia quem acreditasse que o castelo fora levantado, na rocha escarpada no extremo final do longo promontório que se projetava mar adentro, pela magia do antigo povo e Ys. O Duque Gorlois ria-se disso e dizia que, se tivesse esse poder, tê-lo-ia usado para impedir que o mar avançasse, ano a ano, sobre a terra. Nos quatro anos em que estava ali, desde que chegara como noiva de Gorlois, Igraine vira a terra, boa terra, desmanchar-se ao atrito do mar da Cornualha. Longos braços de rocha negra, áspera e alcantilada, estendiam-se pelo oceano, a partir da costa. Quando o sol brilhava, a paisagem podia ser dourada e brilhante, o céu e a água luziam como o monte de jóias que Gorlois lhe dera, no dia em que anunciara estar grávida do seu primeiro filho. Igraine, porém, jamais gostada de usá-las. A jóia que pendia agora de seu pescoço lhe fora dada em Avalon: uma pedra-da-lua que por vezes refletia o brilho do céu e do mar; mas hoje, no nevoeiro até mesmo a jóia parecia opaca.

Na cerração, os sons percorreram caminhos longos. Pareceu a Igraine, ali de pé no promontório, que, ao voltar o olhar para a terra, podia ouvir o bater dos cascos de cavalos e mulas e o som de vozes – vozes humanas, ali no isolado Tintagel, onde só viviam cabras e ovelhas, mais os pastores e seus cães, além das mulheres do castelo com algumas criadas e uns poucos homens, já idosos, para protegê-las.

Igraine voltou-se lentamente e retornou ao castelo. Como sempre, de pé à sua sombra, sentia-se pequenina ante a imponência daquelas velhas pedras, ao fim do longo promontório que se estendia pelo mar. Os pastores acreditavam que o castelo fora construído pelos Antigos, das terras perdidas; e os pescadores contavam que, em dias claros, os velhos castelos podiam ser vistos muito ao longe, sob a água. Mas para Igraine eles pareciam torres de rocha, velhas montanhas e morros engolidos pelo mar que avançava sempre, que ainda agora corroia a rocha sob o castelo. Ali, naquele fim de mundo, onde o mar comia incessantemente a terra, era fácil acreditar em áreas submersas, no oeste. E falavam ainda de uma grande montanha de fogo que explodira, muito mais para o sul, carregando todo um grande país que ali existia. Igraine não sabia se acreditava ou não nessas histórias.

Sim, certamente podia ouvir vozes na cerração. Não seriam atacantes selvagens vindo do mar ou do litoral selvagem de Erin. Há muito havia passado a época em que ela se sobressaltava a um som ou uma sombra estranhos. Não era seu marido, o Duque: ele estava muito longe, ao Norte, lutando contra os saxões, ao lado de Ambrósio Aureliano, o Grande Rei da Bretanha, e teria avisado se pretendesse voltar.

Não precisava ter medo. Se os cavaleiros fossem hostis, os guardas e soldados do forte situado no ponto em que o promontório se ligava à terra, ali colocados pelo Duque Gorlois para proteger sua mulher e filha, os teriam detido. Seria preciso um exército para passar por eles. E quem mandaria um exército contra Tintagel?

Houve uma época – Igraine lembrava-se sem amargura, caminhando lentamente para o pátio do castelo – em que ela teria sabido quem se aproximava. Essa lembrança não lhe provocava maior tristeza, agora. Desde o nascimento de Morgana, não chorava mais de saudades de casa. E Gorlois era bondoso com ela. Tranquilizara-a quando tivera medo e ódio a princípio, dera-lhe jóias e coisas belas, troféus de guerra, cercara-a de mulheres que a serviam, e tratava-a sempre como igual, a não ser nos conselhos de guerra. Não podia ter desejado mais, exceto se tivesse desposado um homem das tribos. Quanto a isso, não tivera escolha. Uma filha da ilha sagrada deve fazer o que é melhor para seu povo, quer signifique caminhar para a morte em sacrifício, que entregar sua virgindade no Casamento Sagrado, quer casar-se, quando isso pudesse cimentar alianças. Era o que Igraine havia feito, desposando um Duque da Cornualha romanizado, cidadão que vivia ao modo romano, embora Roma tivesse deixado toda a Bretanha.

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